sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Higiene, dinheiro e pimenta no século XVI


Após 80 anos de intensas batalhas e muita luta, os portugueses finalmente encontram o caminho marítmo para as Ìndias. Em 18 de maio de 1498, Vasco da Gama e seus homens avistaram o monte Eli na costa do Malabar na Índia. 

Malabar é um importante entreposto comercial e berço da pimenta, do cardamomo, canela e muitas outras especiarias que fez daquele lugar um grande mercado de trocas entre hindus, cristãos, judeus, gregos, árabes e outros.
Após vencer dois oceanos e andar mais de 20 mil kilômetros, Vasco da Gama volta a Portugal com o navio repleto de pedras precisoas, tecidos e especiarias. Um verdadeiro marco na navegação mundial. Esse grande passo para o comércio mundial também causou cenas que no mínimo eram de se imaginar constrangedoras.
 Nossos colegas lusos, espanhóis, franceses, italianos, entre outros, eram bravos e destemidos guerreiros que saíram de uma Europa com fortes resquícios medievais, com quase nenhuma infra-estrutura na área de saúde, esgotos e etc., marcada pelos péssimos costumes e hábitos advindos. Soma-se a tudo isso as condições precárias pelas quais nossos marinheiros navegavam em direção ao novo mundo.
Muitas dessas viagens duravam cerca de 12 meses ou mais, nelas muitos eram marinheiros de primeira viagem e passavam muito mal por conta do balanço das embarcações o que contribuía em muito para a sujeira no convés. Banheiro não havia, o máximo eram baldes amarrados a uma corda, na qual os marujos se aliviavam e os jogavam ao mar para limpá-los, o papel higiênico era uma corda desfiada na ponta que tinha a sua extremidade mergulhada no mar depois de feito o serviço de asseio pessoal. A falta de higiene a bordo e as péssimas condições sanitárias sem dúvida nenhuma eram a grande causa de muitas doenças e males.
A alimentação também não era a mais adequada. Cada bravo tinha direito à meio quilo de carne seca salgada, cebola, vinagre, azeite, água, vinho e um biscoito duro e seco. Poucos dias depois a água estava turva e fétida, o vinho azedo, a carne podre e os biscoitos embolorados devido a grande umidade presente nas embarcações de madeira. No final das expedições um rato chegava a ser uma iguaria sem igual. O escorbuto, traduzido como “ventre aberto”, atacava os navegantes que ficavam por muito tempo sem ingerir vitamina C. A doença causa hemorragias que inchavam as gengivas, as aprodreciam e faziam co que ficasem mal cheirosas.
Aqueles que sobreviviam as péssimas condições de higiene e alimentação tinham que sobreviver também a viagem em si. De cada 3 navios que zarpavam 2 não retornavam, de cada quarenta marinheiros, vinte não voltavam.
Voltando a Gama e seus homens, em maio de 1498 em Malabar, Gama se encontra com o rája de Calicute e temos então um choque diplomático no mínimo inusitado. Os lusos foram vistos como visitantes de segunda classe. Gama ofereceu ao nobre rei de Calicute chapéus, quatro colares, seis bacias de cobre, dois barris de azeite e dois de açúcar. Tais oferendas soaram como ofensas a um rei coberto de pedras preciosas e seda.
Vasco da Gama não se banhava a mais de um ano, não só por conta da expedição mas por que  afinal um banho de corpo inteiro era comum na Europa apenas duas vezes por ano, seus odores não eram dos melhores e sua alimentação e de seus homens durante aquele período também não. Foram então conhecer o salão real, os sacerdotes do rája borrifavam perfume nos visitantes a fim de aliviar os Cheiros de Corpos e pediram para que os mesmos tapassem a boca com a mão esquerda ao dirigirem a palavra ao samorim, Glafer pediu também aos visitantes para não tocarem com os lábios na prata dos copos que iriam beber água e além disso, solicitou que os ilustres viajantes  evitam-se o escarro e o arroto.
Glafer em sua sala estava sentado envolto em uma túnica bordada com rosas de ouro, seus cabelos sedosos, suas unhas dos pés e das mãos esmaltadas e seu hálito perfumado pro uma mistura de cânfora e âmbar e faziam daquele encontro o encontro dos extremos. Antes de se vestir era tradição passar no corpo uma pasta perfumada pelo corpo, talco, almíscar e outras essências, a barba e o bigode eram aparados e os homens se depilavam. Além disso, o ambiente era perfumado com incenso e os nobres mastigavam uma mistura de cravo e canela para perfumar o hálito.
A tradição de limpeza e purificação nos ritus hindus é muito conhecido. Dentro do Yôga tomou uma conotação ainda mais acentuada e suas técnicas são conhecidas como kriyá. Kriyá significa atividade e sua definição formal é atividade de purificação de mucosas. Os kriyás se aprofundam no conceito de limpeza fazendo com que ele não fique restrito a limpeza externa. Grande parte do acervo das técnicas de purificação orgânicas do Yôga são em geral de limpeza das mucosas internas. Entre os principais kriyás, temos o “shat karma” ou “seis ações” que resumem os mais conhecidos e importantes. São eles:
   Kapálabhati
Limpeza do cérebro e dos pulmões. Também pode ser catalogado como pránáyáma.
   Trátaka
Limpeza dos globos oculares e treinamento para melhorar a visão. Tem atuação muito rápida para astigmatismo e hipermetropia.
   Nauli
Limpeza dos intestinos e dos órgãos abdominais por massageamento.
   Nêti
Limpeza das narinas e do seio maxilar com água (jala nêti) ou com uma sonda especial (sútra nêti).
   Dhauti
Limpeza do esôfago e do estômago com água (jala dhauti) ou com uma gaze (vasô dhauti).
   Basti (vasti)
Limpeza do reto e do cólon com água. Foi o ancestral do clister.

Flagrou-se então um verdadeiro choque de culturas e hábitos que deve ter sido no mínimo hilário. O Europeu com ares de conquistador recheado de bugigangas para oferecer aos nativos em troca de informações, encontrando pela frente um maharája ostentando uma limpeza impecável e muito luxo.
Essa situação realmente foi tão desconfortável que poucos anos mais tarde o próprio D. Manoel, rei de Portugal, informou que umas das principais missões de Pedro Álvares Cabral, naquele momento o homem escolhido para ir as Índias, era o de impressionar os rajás hindus com a “pujança da frota lusitana” abarrotando as naus com muitas moedas de ouro.
Até hoje a noção de limpeza do Yôga nos surpreende e nos faz pensar que a limpeza necessita de um cuidado que poucos percebem: a alimentação. Muito da sujeira que acumulamos está relacionado com aquilo que comemos. A limpeza interna sugerida pelos kriyás são uma lição de higiene e cuidados consigo próprio em um mundo que se cultiva muita a aparência externa. Além disso nos faz refletir sobre o quanto as nossas emoções mau administradas também nos conspurcam externamente e internamente.

Andre Mafra

Diretor da Uni-Yoga – Unidade Brooklin

Para saber mais leia:
Tratado de Yôga, DeRose - Nobel 
Coleção Terra Brasilis de Eduardo Bueno

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